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Foto do escritorJoão Paulo de Sanches

O papel do advogado no necessário processo de desjudicialização

“É preciso boa vontade com as normas. Elas favorecem a sociedade.”

Cândido Rangel Dinamarco


Resumo:

Não é de hoje a constante e justificada reclamação de que o Judiciário é lento e de que as demandas se prolongam mais do que o tempo desejado e esperado por aqueles que se socorrem de processos judiciais para resolver conflitos ou até mesmo solucionar problemas onde não necessariamente se apresente uma pretensão resistida (ausência de confito). O abarrotamento dos tribunais como um todo padece de solução eficiente e se escora, no mais das vezes, em medidas paliativas e que não alcançam o tão sonhado modelo onde o trâmite processual seja rápido e a prestação jurisdicional entregue de forma a satisfazer os anseios daqueles que dela necessitam. Daí decorre a premente necessidade de imediata conscientização geral, em especial quanto à conduta a ser adotada pelos advogados (privados ou públicos), quando diante de determinada demanda que lhes é apresentada.


Palavras chave: “Desjudicialização”, “advocacia preventiva”, “premissas do Código de Processo Civil”, “mitos da advocacia”.


Abstract: The complaints have been recurrent, all of which justify the claim that the Judiciary system is protracted, causing demands to prolong for longer than desired and expected by those who seek help in the judicial process to remedy conflicts or even solve problems where a lawsuit is not necessarily identified (lack of conflict). The judicial overload as a whole lacks an efficient solution and props in alternative ways that, most of the times, are temporary and won’t successfully represent the utopian system where processes are rapidly solved and the adjudication is delivered in a way that satisfies the aspirations of those who need it. In that way the pressing urge to raise the general awareness, especially regarding a lawyers ideal professional conduct (private and public) when faced with a determined demand, is indispensable.

Já não é de hoje que o assoberbamento do Judiciário vem atravancando a prestação jurisdicional como um todo, consubstanciando verdadeira ferida aberta e que custa a cicatrizar quando se trata de tornar mais ágil e eficaz o resultado de qualquer demanda.

Sempre se debateu acerca da necessidade de desafogar os fóruns, varas e escaninhos que, preenchidos por pilhas e mais pilhas de processos (em menção ainda válida quanto aos volumes físicos e hoje já afastada pela chegada do bem vindo processo judicial eletrônico), deixam de entregar aos jurisdicionados a tão desejada celeridade na solução das pendengas postas em juízo.

Com o início do trâmite eletrônico das demandas judiciais em alguns tribunais, reduziu-se, sem dúvida, a ocupação do espaço físico junto às serventias mas não a quantidade de demandas que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o volume de processos ainda é uma dificuldade com que lida o Judiciário.

De fato, a necessidade sempre urgente de se entregar “Justiça” àqueles que a procuram de forma rápida e eficaz fora, desde sempre, prejudicada pelo abarrotamento de todas as instâncias presentes em nosso sistema diante de um volume asustador de processos que, no mais das vezes, parecem infindáveis.

Não é incomum deparar-se com demandas que perduram por longas décadas geralmente fomentadas por advogados ávidos em alcançar a satisfação do cliente a qualquer custo, nem que para tanto tenham que desembocar no Judiciário um sem número de ações e recursos que poderiam ser minimizados ou simplesmente evitados.

Neste sentido, afirma com assertividade Germano André Doederlein Schwartz:



“A velocidade com que os processos judiciais são

propostos não é compatível com a expectativa

gerada em relação às decisões em suas respostas.”


Neste viés, várias razões podem ser apontadas como causadoras dessa tal enxurrada cada vez maior de processos desnecessários, longos, demorados e, sobretudo, onerosos para o Estado.

Pode até ser que o tal abarrotamento do Judiciário seja consequência do que muito bem pontua o festejado professor gaúcho Conrado Paulino da Rosa:



“Hoje, o cidadão de qualquer classe social tem

consciência da possibilidade de ingressar

facilmente em juízo. A célebre frase ‘eu vou te

processar’ é mais ussada do que o simples

questionamento ‘como podemos resolver isso?’”


Mas talvez o maior fator de tal postura estritamente beligerante e voltada sempre para o desenfreado ajuizamento de ações esteja na falta de informação, ausência de conhecimento de premissas modernas trazidas pelo já não tão novo Código de Processo Civil e pelo desuso da chamada advocacia preventiva, salvo melhor juízo, seja ela na esfera particular ou no âmbito das Defensorias Públicas.

Não são poucos os exemplos de advogados particulares que, seja para justificar os honorários que cobram ou por ignorarem uma nova realidade que se lhes apresenta, incentivam os clientes a resolver os problemas apresentados apenas e tão somente pela via judicial, olvidando a sempre saudável possibilidade de solucionar mediante o consenso de ideias.

Tal omissão também pode ser encontrada na advocacia pública, porém, em menor escala, acredita-se. Em que pese a existência de núcleos internos de mediação e conciliação no âmbito das Defensorias Públicas de alguns estados, certo é que nem sempre os hipossuficientes ou vulneráveis que as procuram são encaminhados para sessões prévias de tentativa de conciliação, mas sim, imediatamente direcionados para o litígio judicial.

Nessa linha de intelecção surge a necessidade cada vez mais evidente de se difundir e aplicar tudo o que for possível para alcançar a desejável desjudicialização, incumbindo ao advogado público ou privado um olhar mais sensível e menos voltado para a excessiva e costumeira jdicialização de tudo.

Recentemente, o estado do Paraná trouxe a curiosa notícia de dois irmãos que litigaram por conta de um casaco de moleton! Na interiorana cidade de Cascavel, o Judiciário se viu obrigado a movimentar sua estrutura por uma simples disputa onde um dos irmãos se apropriou indevidamente do tal casaco que chegara ao lar onde juntos residem.

Ao abrir a embalagem e gostar da estampa do agasalho, o irmão, cujo endereçamento da correspondência não lhe alcançava, resolveu ficar com o bem e simplesmente aguardar a sentença de um juiz para então restitui-lo à verdadeira dona, sua irmã.

Em que pese ter ocorrido, no caso em comento, uma audiência de tentativa de conciliação, é de se indagar: será que nenhum dos advogados que atuou no caso percebeu a importância de, antes mesmo de ajuizar a simples demanda, reunir os irmãos em prol de buscar um acordo ou ainda encaminhá-los para uma possível mediação?

Fato é que nem sempre os advogados têm sequer parado para pensar que os problemas que lhes são postos podem ser solucionados sem a necessidade de contenda judicial, vale frisar. Esse é o ponto!Tome-se como exemplo os conturbados, sensíveis e delicados processos que envolvem a área do Direito das Famílias e Sucessões, cujas lides judiciais são sempre permeadas por disputas quase nunca maduras, geralmente cegas por revolverem sentimentos e mágoas profundas a ponto de esquecerem os causídicos e as partes por eles patrocinadas de que talvez fosse possível resolver a questão posta a julgamento através de medidas preventivas ou até mesmo mediante outras tantas formas consensuais de solução de conflitos.

Não é incomum, nesses casos, a percepção de que os advogados costumam ser procurados por alguém que almeja algo além da solução de um problema ou de um processo judicial, e sim a satisfação de nefasta e abominável sanha vingativa, utilizando-se desnecessariamente da via processual para alcançar seus desvirtuados objetivos, sendo que tais demandas poderiam, e por que não dizer deveriam, ser evitadas.

Ou, ainda, ser solucionadas de maneira mais rápida e igualmente eficaz, através de procedimentos específicos e não judiciais. O problema é que advogados “compram” essas brigas e, além de não oritentarem corretamente os clientes, informando-os sobre a possibilidade de acordo prévio e extrajudicial, ainda fomentam e alimentam a beligerância.

Imperioso lembrar que, ordinariamente, a própria norma processual vigente direciona não só o advogado, mas todo o conjunto de operadores do direito que participarão de eventual processo judicial, a incentivarem a solução consensual do conflito, mormente quanto às ações de família.

Assim se afirma diante dos sábios dizeres e da lúcida visão de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero ao comentarem o artigo 694, do Código de Processo Civil:



“Nas ações de família reguladas pelos artigos 693

a 699, na esteia do que faz todo o CPC atual (art.

3º, §§ 2º e 3º e art. 334), prioriza-se a solução

consensual dos litígios”


E vale dizer: não é só ao advogado que cabe contribuir e incentivar o acordo, o consenso e a solução amigável da demanda. É dever do Estado também assim proceder. Outra não é a clara dicção do artigo 3º, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil, in verbis:



“Art. 3º - Não se excluirá da apreciação

jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§2º - O Estado promoverá, sempre que possível,

a solução consensual dos conflitos.

§3º - A conciliação, a mediação e outros métodos

de solução consensual de conflitos deverão ser

estimulados por juízes, advogados, defensores

públicos e membros do Ministério Público,

inclusive no curso do processo judicial.”


Ocorre que parece existir um receio ou entrave que direciona, sobretudo os advogados, a continuarem a estimular o contrário, ou seja, o litígio, em completo desrespeito ao que vaticina a legislação processual, e por que não dizer em negativa de vigência a direito que é da parte, do “dono” do problema.

Ou seja, é direito da parte conciliar, mediar, acordar, transigir e resolver questões de forma consensual, antes mesmo de qualquer litígio.

Por outro lado, é bem verdade que pode a parte decidir por não querer solucionar eventual contenda pela via consensual (seja ela qual for), a teor inclusive do que também dispõe a norma processual em seu artigo 334, do CPC, restando autorizada a indicação pelo desinteresse na autocomposição.

Com efeito, ninguém está efetivamente obrigado a conciliar e talvez o que se pretenda mesmo, em alguns casos, é que o juiz, representante legal do Estado, julgue e diga o que deve regular determinada relação conflituosa.

Contudo, tal direito não deve, em hipótese alguma, afastar a obrigação que possuem os advogados de sempre fomentar o consenso entre as partes, mormente nas questões ligadas ao Direito das Famílias onde se entende, salvo melhor juízo, pela inaplicabilidade do citado artigo 334, parágrafo 5º, do CPC, que trata da referida hipótese de se rechaçar a participação na autocomposição.

Assim se afirma na medida em que tal possibilidade colide frontalmente com a redação disposta no artigo 694 do mesmo diploma processual civil, a saber:


“Art. 694 – Nas ações de família, todos os

esforços serão empreendidos para a solução

consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor

de auxílio de profissionais de outras áreas de

conhecimento para a mediação e conciliação.”


Em paralelo ao que já orienta a norma processual para ser adotada como conduta pelos advogados, qual seja a estimulação constante do consenso, caminha a necessidade de maior aplicação da chamada advocacia preventiva.

Mas, lamentavelmente, nos dias de hoje, mostra-se ainda muito tímida a procura por profissionais do direito em caráter preventivo, ou seja, antes mesmo da instauração de qualquer tipo de litígio.

Seja por desconhecimento de caminhos menos tortuosos e desgastantes para aqueles que buscam ajuda profissional para solucionar seus problemas, ou por serem estimulados justamente por quem deveria alertá-los de que há sim meios para prevenir a demanda judicial ou resolver a pendenga de forma não conflituosa, é que se evidencia a necessidade de uma releitura no papel dos advogados, sobretudo os privados, que desempenham relevante tarefa para o alcance da mais que necessária e desejável desjudicialização.

Não é de todo surpreendente tal fato já que pode-se considerar como ainda tímida a adesão dos profissionais do direito, mormente os advogados, às modernas formas consensuais de solução de conflito, tais como a conciliação, mediação, arbitragem e, prática mais recente, a constelação familiar.

E assim, palpita como primeira proposta a solucionar o problema e desafogar o já tão entalado Judiciário esta modalidade pouco difundida e quase nunca praticada no meio jurídico: a advocacia preventiva.

Fossem os advogados procurados previamente ao surgimento dos problemas, com os indivíduos adotando necessária cautela de consultar um profissional antes de assinar um contrato, de adquirir um imóvel, de contrair um empréstimo ou antes mesmo de decidir se irá casar ou constituir uma união estável com a estipulação prévia e desejável do regime de bens a inicidir na relação vindoura, a chance de evitar dissabores futuros e ajuizamento de demandas judiciais reduziria e muito.

E tal prevenção vai além: é possível observar que as pessoas estão começando também a perceber que, muitas vezes, a busca de informação antes que os problemas aconteçam pode prevenir gastos maiores com processos litigiosos longos em que se discutem teses inúteis, sem contar com a imensa preservação do desgaste emocional dos interessados.

Afigura-se, desta feita, vantajoso e inteligente procurar ajuda profissional antes da celebração de qualquer negócio jurídico, seja ele qual for, mostrando-se mais produtivo e cauteloso pagar pela consulta a um advogado privado, ou buscar informações junto à Defensoria Pública, alcançando prévia proteção, do que esperar o surgimento de um problema por não ter agido de modo preventivo, desembocando no que o senso comum já está adaptado: judicializar a contend

Críticos certamente dirão: a adoção de práticas colaborativas por parte dos advogados enfraqueceria a profissão ou tornaria desnecessária a atuação destes, o que não é verdade.

A presença do advogado nas soluções consensuais não está legalmente afastada e não pode servir como entrave ao não incentivo das mesmas. O advogado continua a ser necessário e deve também atuar em tais hipóteses.

Desde antes, quando em 2007 entrou em vigor o texto da Lei 11.441, possibilitando a realização de inventário, partilha e divórcio consensual pela via cartorária, já numa primeira demonstração da necessidade de desjudicializar as demandas, a presença do advogado se manteve necessária.

Recentemente, já com o advento do chamado novo Código de Processo Civil, sobrevieram também inafastáveis premissas a pautarem a conduta dos operadores do direito, em especial a dos advogados, no sentido de considerar como necessárias:

A simplicidade;

A facilitação do acesso à Justiça;

A primazia pela razoável duração dos processos; ⮚

A valorização dos preceitos éticos e cooperação de todos os sujeitos do processo;

Advogados colaborativos sem a conotação de adversariedade;

O incentivo à conciliação e redução dos conflitos;

Houve, portanto, necessária alteração paradigmática a impingir louvável mudança comportamental/processual dos operadores do Direito como um todo, ao que se alia o entendimento de Rafael Calmon:


“Como não poderia deixar de ser, o pensamento do aplicador e intérprete

da legislação de 2015 também terá que se adaptar. Estudantes de graduação,

juízes, advogados, promotores de justiça, peritos, chefes de secretaria, enfim,

todos aqueles que direta ou indiretamente atuam no processo civil devem

basear suas posturas nesses novos paradigmas e não naqueles que

sustentavam o regime revogado.”


Caminhando nessa linha, surge também com fervor a valorização da autonomia da vontade, ou seja, é preferível valorizar aquilo que os interessados consentem em ajustar mutuamente do que levar eventual desentendimento a julgamento judicial.

Com isso alcança-se, ainda, elogiável dose de contenção da intervenção estatal na vida privada e na solução de conflitos, emprestando aos advogados e partes, a teor do que dispõe o artigo 190 do Código de Processo Civil, o direito de criar regras para um procedimento judicial específico, em cristalina forma de validar as premissas acima apontadas.

De modo que a desjudicialização se apresenta como uma realidade palpável e necessária no sistema jurídico diante da dificuldade do Judiciário brasileiro em atender com presteza às demandas, impondo-se necessária releitura do papel importante e indispensável da advocacia na contribuição para o alcance de tal mister.

Referida contribuição não deve se restringir a apenas e simplesmente participar de audiências de conciliação/mediação ou sessões de mediação extrajudiciais, conforme prevê o Código de Processo Civil em seus artigos 694, 695 e 696.

O esforço e empenho dos nobres advogados, cuja atuação tem-se por indispensável à administração da justiça por força do artigo 133 da Constituição Federal (nunca é demais repetir), deve ir além.

É de se defender a postura daquele que entende que a tentativa de conciliação de suposta desavença tem início no momento exato em que o advogado é procurado por determinado interessado e, ato contínuo, entra em contato com a parte contrária de modo não só a ouvi-la mas também a fim de propiciar que tratativas possam ser iniciadas visando a solução consensual, antes mesmo de sequer pensar em ajuizar quaisquer medidas.

Tal conduta não só atende às elogiáveis premissas trazidas com as novas regras processuais, como também tem por escopo o fomento para que os próprios interessados possam participar ativamente das soluções para o problema, alcançando resultados muito mais próximos daquilo que efetivamente desejam e que, talvez, não seriam obtidos mediante a intervenção judicial.

A construção de resultados positivos e amigáveis mediante o entendimento entre as partes se mostra tão ou mais sólida do que eventual decisão judicial que, pode resolver um processo mas não necessariamente um problema.

É dizer: o atento advogado que percebe, desde a primeira consulta, a possibilidade de resolver de forma consensual uma celeuma a ele apresentada, desestimulando o ajuizamento de ações, estará não só contribuindo para a valorização dos tais preceitos éticos e colaborativos abarcados pelo novo código de ritos, mas também corroborando sobremaneira para o necessário processo de desjudicialização.

De tal entendimento decorre a necessidade urgente de não mais se enxergar no advogado contrário (ex adverso) a imagem de adversário.

Ao visualizar o defensor oponente como possível colaborador para o alcance de soluções mais rápidas, eficazes e, sobretudo, consensuais, estar-se-á, sem sombra de dúvida, alimentando o que se chama de valorização de preceitos éticos e cooperação de todos os sujeitos do processo, afastando a ideia de adversários processuais e, logicamente, incentivando a conciliação e redução dos conflitos.

Dois erros muito comuns que rotineiramente ocorrem podem ser exemplificados naqueles casos em que os advogados tomam para si o direito do cliente (agindo com raiva e vingança contra a parte contrária), bem como naqueles em que os causídicos advogam em causa própria, em especial na área do Direito das Famílias.

Assim se afirma na medida em que tem-se por praticamente impossível o advogado que atua em causa própria dissociar-se da emoção e possíveis mágoas que lhe alcançam na hora de pontuar a defesa de seus interesses, o que certamente culminará em excessos na redação, prejudicando, de tal modo, possível entendimento amigável.

Imperioso destacar, ainda, que o ensino superior de Direito no Brasil ainda não absorveu como um todo a importância do incentivo ao estudo da mediação, da conciliação, da arbitragem e de outras formas consensuais de resolução de conflito, com a necessária profundidade, o que é visto somente em um único módulo nos cursos de graduação em Direito.

Ora, se a solução consensual dos conflitos é premissa do Código de Processo Civil, constituindo medida que se coaduna com o necessário processo de desjudicialização, é de se fomentar, lado outro, o aprimoramento de tais técnicas durante a graduação, sob pena de continuarmos, paradoxalmente, a treinar os operadores do Direito direcionando-os excessivamente ao constante lítigio.

Alie-se a isto, por necessária e oportuna, a já dita possibilidade de o advogado atuar preventivamente, o que, como dito, é prática pouquíssimo difundida atualmente.

Tais medidas aqui dispostas, por certo, já melhorariam e reduziriam a costumeira avalanche processual que deságua todos os meses nos tribunais.

Mas é fundamental ir além! Não basta unicamente prevenir a demanda mediante a orientação do cliente; não basta tão somente alinhar-se às premissas do Código de Processo Civil e primar pela conciliação e mediação como forma de solução de conflitos; não basta unicamente deixar de enxergar o advogado da parte contrária como adversário e passar a vê-lo como um colaborador.

É preciso mais. Necessário unir todas estas medidas e somá-las para disseminar o fim do que costuma-se chamar de barganha processual, postura condenável ainda adotada por alguns profissionais que insistem em justificar os honorários cobrados mediante a intensa e incansável litigiosidade.

Explica-se: tomando mais uma vez como exemplo a área do Direito das Famílias, pode se afirmar que têm sido muito comum distorções quanto a conceitos claros, muitos deles inseridos na própria lei, e que conduzem, por entendimento equivocado dos próprios advogados, a posturas que dão azo a ações judiciais desnecessárias ou o prolongamento destas de modo injustificado.

É o caso, ainda exemplificando, daqueles patronos que ajuízam ações de guarda compartilhada esperando que tal modalidade venha a reduzir o valor de pensão alimentícia paga por alimentante em favor de seu filho menor.

Ora, uma coisa nada tem a ver com a outra: alimentos para filho menor obedecem ao critério delineado por um trinômio: possibilidade-necessidade-proporcionalidade. Já a guarda compartilhada, por sua vez, pressupõe divisão de responsabilidades sobre os filhos e deve se desenrolar no estrito cumprimento daquilo que melhor se afigure para a criança ou ao adolescente.

E ainda assim, diante de conceitos atabalhoados e desvirtuados do que consta do próprio texto legal, advogados insistem em ajuizar ações de guarda compartilhada sob o incorreto argumento de que tal regra necessariamente implica em reajuste do valor da pensão alimentícia. Equívoco grave que, sem dúvida, assoberba o Judiciário sem necessidade.

Outro exemplo pode ser enxergado naqueles que também ajuízam ações judiciais de revisão do valor de pensão alimentícia acreditanto que os limites desta devem se pautar entre 10% (dez por cento) a 30% (trinta por cento) dos rendimentos do alimentante, o que não é verdade!

Tal entendimento, é verdade, sobreveio pela prática trazida mediante reiteradas decisões no sentido de que o valor médio das pensões alimentícias gira em torno de tais percentuais. Todavia, não há nada na legislação que regule tais patamares, sendo perfeitamente possível e viável estipulação em valores que estejam abaixo dos imaginados mínimo de 10% e máximo de 30%, o que também leva ao ajuizamento desnecessário de demandas que buscam alterar percentuais com base em premissas equivocadas, lamentavelmente.

Isso para exemplificar pequena parcela do ajuizamento descabido de demandas que são intentadas e estimuladas pelos próprios advogados, em cristalina contra-mão do que se vislumbra alcançar através de necessário processo de desjudicialização.

Assim postas tais relevantes preocupações quanto à necessária contribuição dos advogados no cenário cada vez mais marcante de imprescindível desjudicialização, certo é que a advocacia ainda traz arraigada dentro de si o norte muito mais voltado à litigiosidade e judicialização de demandas.

A busca pela forma consensual ainda enfrenta resistências de toda sorte, em que pese o surgimento constante de novas formas de se alcançar o consenso, dentre as quais se destaca a já falada e curiosa constelação familiar.

É hora, portanto, de se deixar de lado as infundadas críticas ainda existentes e que subsidiam o famigerado entendimento que ao advogado só cabe litigar, a todo e qualquer custo, levando adiante a imperiosa necessidade de constante desjudicialização, passando esta a fazer parte do cotidiano jurídico como meta a ser alcançada.

Assim se aduz na medida em que o alcance máximo da desjudicialização enaltece a autonomia da vontade privada em detrimento à intervenção estatal continuada. Torna mais célere a prestação jurisdicional e a facilitação do acesso à justiça. Prima pela razoável duração dos processos e, principalmente, desonera o já tão abarrotado Poder Judiciário, seja do ponto de vista de gastos para o erário, ou pela simples melhora na forma de entregar ao interessado uma prestação jurisdicional mais rápida e eficiente.

Fica a derradeira observação de que ao advogado é hoje obrigatório primar pela solução consensual dos conflitos em respeito ao sistema judicial que ele mesmo integra como sendo figura indispensável, não mais sobrexistindo espaço, permissa venia, àqueles que fazem de tão nobre profissão balcão exclusivo de negócios consubstanciados em venda de serviços essencialmente litigiosos.

Que sobrevenha mais prevenção, maior cooperação entre advogados e interessados, irrestrita coloboração e, consequentemente, uma grande desjudicialização. Isso também é facilitar o acesso à justiça.


Bibliografia:

CALMON, Rafael. Direito das famílias e processo civil: interação, técnicas e procedimentos sob o enfoque do Novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2017. Pág. 35.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. Pág. 680.

ROSA, Conrado Paulino da. Desatando nós e criando laços: os novos desafios da mediação familiar. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. Pág. 53.

SCHWARTZ, Germano André Doeferdein. Direito e o processo como mecanismos de controle do tempo. In: JOBIM, Geraldo Cordeiro. et al (org.) Tempestividade e Efetividade Processual: Novos Rumos do Processo Civil Brasileiro. Caxias do Sul: Plenum, 2010. Pág.238.





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